sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Ópera (Capítulo IX de "Dom Casmurro)

Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. “O desuso é que me faz mal”, acrescentava. Sempre que uma companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe toda as injustiças da terra e do céu; o empresário cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade.Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. Às vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais idoso que ele ou tanto; vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes.
Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou:

— A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente...

— Mas, meu caro Marcolini...

— Quê?...

E, depois de beber um gole de licor, pousou o cálix, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.

Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros — e acaso para reconciliar-se com o céu —, compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.

— Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a, emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés...

— Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada.

— Mas, senhor...

— Nada! nada!

Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.

— Ouvi agora alguns ensaios!

— Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor.

Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado. Com efeito, há lugares em que o verso vai para a direita e a música para a esquerda. Não falta quem diga que nisso mesmo está a beleza da composição, ugindo à monotonia, e assim explicam o terceto do Éden, a ária de Abel, os coros da guilhotina e da escravidão. Não é raro que os mesmos lances se reproduzam, sem razão suficiente. Certos motivos cansam à forç de repetição. Também há obscuridades; o maestro abusa das massas corais, encobrindo muita vez o sentido por um modoconfuso. As partes orquestrais são aliás tratadas com grande perícia. Tal é a opinião dos imparciais.
Os amigos do maestro querem que dificilmente se possa achar obra tão bem acabada. Um ou outro admite certas rudezas e tais ou quais lacunas, mas com o andar da ópera é provável que estas sejam preenchidas ou explicadas, e aquelas desapareçam inteiramente, não se negando o maestro a emendar a obra onde achar que não responde de todo ao pensamento sublime do poeta. Já não dizem o mesmo os amigos deste.
Juram que o libreto foi sacrificado, que a partitura corrompeu o sentido da letra, e, posto seja bonita em alguns lugares, e trabalhada com arte em outros, é absolutamente diversa e até contrária ao drama. O grotesco, por exemplo, não está no texto do poeta; é uma excrescência para imitar as Mulheres patuscas de Windsor. Este ponto é contestado pelos satanistas com alguma aparência de razão. Dizem eles que, ao tempo em que o jovem Satanás compôs a grande ópera, nem essa farsa nem Shakespeare eram nascidos. Chegam a afirmar que o poeta inglês não teve outro gênio senão transcrever a letra da ópera, com tal arte e fidelidade, que parece ele próprio o autor da composição; mas, evidentemente, é um plagiário.

— Esta peça, concluiu o velho tenor, durará enquanto durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo será ele demolido por utilidade astronômica. O êxito é crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os seus direitos autorais, que não são os mesmos, porque a regra da divisão é aquilo da Escritura: “Muitos são os chamados, poucos os escolhidos”. Deus recebe em ouro, Satanás em papel.

— Tem graça...

Graça? bradou ele com fúria; mas aquietou-se logo, e replicou:

— Caro Santiago, eu não tenho graça, eu tenho horror à graça. Isto que digo é a verdade pura e última. Um dia, quando todos os livros forem queimados por inúteis, há de haver alguém, pode ser que tenor, e talvez italiano, que ensine esta verdade aos homens. Tudo é música, meu amigo. No princípio era o dó, e o dó fez-se ré etc. Este cálix (e enchia-o novamente), este cálix é um breve estribilho. Não se ouve? Também não se ouve o pau nem a pedra, mas tudo cabe na mesma ópera...

domingo, 11 de janeiro de 2009

Beirut - Elephant Gun (Legendado)

Música de abertura do seriado "Capitu". Clipe bem bonitinho. Vontade estranha de chorar!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Litlle Joy

Bem antes do lançamento do disco, os rumores de que a parceria de Rodrigo Amarante, Fabrizio Moretti e Binki Shapiro resultaria numa mistura de Los Hermanos com The Strokes já faziam tremer de ansiedade os desocupados que não passam menos de 10 horas na internet a procura de alguma novidade no mundo da música. Ainda não se sabia muito sobre a sonoridade do disco e a galera já aprovava. O raciocínio era: "Los Hermanos com Strokes? Não pode dar errado!" Acontece que, tão logo saiu o disco em Novembro do ano passado, pôde-se perceber que Little Joy não tem nada a ver uma suposta fusão entre as duas bandas. Quem ouve com atenção a banda carioca sabe que as composições do R. Amarante e as do M. Camelo diferem entre si. O invólucro "loshermânico" não afeta a individualidade de cada uma. E isso fica claro agora que a banda está "dando um tempo" e que se pode apreciar separadamente os trabalhos solos do Rodrigo Barba na bateria do Canastra, do M. Camelo no disco solo "Sou" e do R. Amarante na "Little Joy".
Eu estava bem muito atrás desse disco. Queria ouvir integralmente todas as faixas. Não me contentava com os 25 segundos que a Amazon disponibilizava só pra cutucar anseio consumista. Agora que o tenho, disponibilizo para quem inadvertidamente passar por acaso por este humilde e gratuito espaço virtual.
O disco está uma belezinha. As músicas são muito bonitinhas e gostosinhas de ouvir. Dá um sentimento de nostalgia danada. O triste é que dura pouco: passa um tiquinho só dos 30 minutos. Mas é bom pra ouvir enquanto se toma banho, lava a louça ou arruma as gavetas do quarto.

Curto e memorável. O que me remete a meus bons e esquecidos discos de punk rock.







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