terça-feira, 24 de maio de 2011

Annie Hall

Ano: 1977

Diretor: Woody Allen

Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts

Sinopse: Annie Hall (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) conta a história de Alvy Singer (Woody Allen), um humorista judeu e divorciado que faz análise há quinze anos. Ele acaba se apaixonando por Annie Hall (Diane Keaton), uma cantora em início de carreira, e com a cabeça um pouco complicada. Em pouco tempo estão morando juntos e não demora para se iniciar um período de crises conjugais.

"Jamais faria parte de um clube que permitisse a entrada de alguém como eu. (Annie Hall 1977)".

Em 1977, recebeu o Oscar de melhor filme por “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (Annie Hall) e não compareceu na cerimônia, dizendo que estava ocupado tocando clarinete com sua banda. Allen nunca pediu a aprovação de seus colegas e da alta cúpula de Hollywood, sabia que aquele prêmio era envolto em politicagem e decidiu se afastar dessa auto-celebração fútil.

Formato: Avi

Tamanho: 689 Mb

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O Pervertido Guia Para o Cinema (The Pervert´s Guide To Cinema)

Ano: 2006

Diretor: Sophie Fiennes

Formato: Avi

Tamanho: 681 Mb

Sinopse: O que pode a psicanálise dizer-nos sobre o cinema? Esta é a pergunta a que THE PERVERT´S GUIDE TO CINEMA se propõe responder. O filme conduz o espectador através de uma estimulante viagem por alguns dos maiores filmes de sempre. O guia e apresentador é Slavoj Zizek (lê-se Slavói Chichec), o carismático filósofo e psicanalista esloveno. Na sua apaixonada abordagem ao pensamento, vasculha a linguagem escondida do cinema, revelando o que os filmes podem dizer-nos sobre nós próprios. Seja destrinçando os enigmáticos filmes de David Lynch, ou deitando por terra tudo o que se pensava saber sobre Hitchcock.

O filme estrutura-se a partir do próprio mundo dos filmes que discute; filmado em ambientes originais ou em réplicas dos cenários, cria-se a ilusão que Zizek fala a partir do interior dos próprios filmes. “The Birds” e “Psycho”, de Hitchcock são abordados por Zizek, considerando que aquele realizador é, provavelmente, o mais freudiano de todos.

Prestem atenção à comparação que Zizek faz entre os três andares da assustadora mansão de Norman Bates (“Psycho”) e o conceito freudiano de Id, Ego e Superego. O psicanalista esloveno expõe os seus argumentos de forma tão natural e convincente e ao mesmo tempo tão rápida, que a nossa mente começa a girar vertiginosamente. Está estruturada em três partes: a primeira, está dedicada a Alfred Hitchcock e Lynch, e é sobre a diferença entre a realidade e os desejos; a segunda, é sobre a libido e a terceira é sobre a eficiência das aparências, centrada principalmente na obra de Tarkovsky e Chaplin.

Vale ressaltar o engraçadíssimo sotaque de Zizek.
Fonte: Filmow



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domingo, 22 de maio de 2011

"A Fina Flor da Malandragem", de Sérgio Vaz

Duzão é piloto, e o que dá fuga à essa malandragem. Na madrugada, a bordo de um Mercedes, dirige certo por vias tortas.

Aninha já passou o ferro em várias madames, dizem por aí que pra mais de vinte.

Cabeção tem olhar de rapina e um iceberg no coração, quando entrea no banco já vai direto no caixa.

Colorau não age na quebrada, gosta de fazer mansão.

Lu ganha a vida distribuindo suas ideias através de um pó branco comprimido, a molecada fica alucinada. Nada contra quem mexe, mas ela nunca meteu a mão no pó dos outros.

Vavá não pode ver carro parado que leva, se não der na chave leva nas costas.

Lourival mete o cano desde criança, o pai de virava no alicate, e nunca teve medo de cerca elétrica.

Como teve problemas de berço, Mariana pega o filho dos outros e devolve por uma quantia mínima.

Julião põe medo em muita gente, também pudera, já enterrou vários com uma pá na mão.

Salete limpou a casa de Sonia, quem deu a fita foi a Rose, que se bobear limpa até as casas dos parentes.

Marcio resgatou Sales da cadeia, e saiu do presídio pela porta da frente, ninguém fez nada.

Elizabeth quase não ri, é uma espécie de gerente da boca, na rua dizem que ela é a patroa.

Nego Jan vende tudo que pega: relógio, TV, DVD, Eletrodomésticos em geral, carro, moto, corrente de ouro, roupa de marca, e demais mercadorias. Sua lábia é mais afiada que lâmina de gigolô.

Zóio tem problemas com a injustiça e está no semiaberto, passa o dia na oficina e a noite dorme no 3° andar. Quando pode, Guida e preto Will, parceiros de caminhada, o visitam no domingo.

Luciana não tem medo de sangue, já ajudou a cortar vários desconhecidos, muitos cagam de medo de morrer na mão dela.

Wilsinho não tem medo de nada, já passou o revólver até no carro da polícia.

As pessoas acima são suspeitas de ter a coragem de trabalhar, e enfrentar o dia a dia com a dignidade que só o sofrimento ensina, e por mais simples que sejam, nunca se evadiram da responsabilidade de lutar.

A malandragem fica por conta de que lê.

Sérgio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa.

Publicado no n. 168 (Março de 2011), p. 19 da Revista Caros Amigos.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A Banda Mais Bonita da Cidade

Weber não estava completamente certo.

Certo, o mundo anda desencantado, a economia do dinheiro solapa as possibilidade mais imediatas de constituição autêntica de individualidades, a racionalização burocratizadora da vida social alcança os poros mais subcutâneos, reifica-nos fortemente, mas há espaços e alternativas e saídas emancipatórias. Uma delas é a política revolucionária. A outra é a arte.

Sobre as potências da arte, fica de exemplo o clip abaixo. Do que se precisa para fazer coisas boas darem certo? Pessoas juntas! Para a arte e para a política.

Fiquei sinceramente emocionado com essa música e com esse clip.




Coloco, para download, algumas músicas em mp3 da banda mais bonita da cidade.




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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Blogs do Além - Blog do Neruda


O E-MAIL E O POETA


Poesia é aquele gênero que todo mundo adora, mas só meia dúzia lê. Nunca figura na lista dos mais vendidos. O poeta, pra virar conhecido, precisa ganhar prêmio, ter seus poemas musicados ou, sei lá, inspirar algum filme de sucesso. No meu caso, as três coisas aconteceram. Nunca me faltou reconhecimento. Mas o que me deixou famoso, postumamente, até mesmo na parada de ônibus, foi o filme O Carteiro e o Poeta. Lembram? Essa película fez muito sucesso na década de 90. Era o filme que todo mundo gostava de gostar.

O enredo era mais ou menos esse: durante o meu exílio político em uma charmosa e bela ilha da Itália (na verdade me exilei na fria Isla Negra – pertencente ao Chile), para manter a minha correspondência em dia, eu contrato um carteiro extra. Esse sujeito, quase analfabeto, aprende, através da convivência comigo, a escrever seus sentimentos por sua amada. Ele acaba conquistando-a (depois dizem que a poesia não serve pra nada). E eu, em troca, ganhei um ouvinte atento e compreensivo para as lembranças saudosas de minha pátria.

Estou contando isso porque, esses dias, eu li num caderno de informática que o e-mail vai desaparecer. Os autores do artigo sustentam que as mensagens enviadas através de redes sociais, telefones celulares e comunicadores tipo Messenger estão relegando ao velho e-mail o papel de trafegar apenas as informações comerciais. Mais ou menos o que aconteceu com a nossa caixa de correspondência, que hoje não passa de um amontoado de contas e malas-diretas nos vendendo coisas que não precisamos. Com exceção de uma oferta de pílulas azuis sem receita que estão muito em conta, mas isso não vem ao caso agora.

O e-mail ainda era o último elo natural com a arcaica carta de papel. Mesmo que seu envio fosse instantâneo e sem selo, sua lógica obedecia aos princípios de sua antecessora. Há muita gente preocupada com o embate livro físico x livro digital. Mas vejo poucos atentos a um gênero literário que está com os seus dias contados: a correspondência. Gênero esse que já produziu obras de grande relevância, como Carta ao Pai de Kafka, Na missiva, Kafka fazia um ajuste de contas com seu autoritário pai. No fim, nem a enviou ao seu progenitor, ficou com medinho. Nos dias de hoje, essa pérola literária seria reduzida a um mero SMS dizendo: pai, larga do meu. Abs K. E o mundo ficaria sem saber que aquelas loucuras envolvendo baratas, absurdos e burocracia até que eram bem razoáveis, para quem teve um pai como aquele. Falar em pai, o da psicanálise teve a correspondência de mais de 34 anos com sua filha, Anna, reunida em livro. E assim curiosos e profissionais puderam estudar a intimidade de Freud. Se esse material fosse produzido hoje, só teríamos coisas como:

- Chegou bem, filha?
- Cheguei.
- E o seu id e o seu superego também?

Num mundo onde é possível se comunicar a qualquer hora, em qualquer lugar e de diversas maneiras, a carta deixou de ser útil, perdeu seu sentido original.

Uma pena. Os livros de correspondência nos forneciam outro tipo de dado sobre a intimidade, registravam com muita naturalidade os momentos individuais e coletivos. Mas não adianta reclamar. É um caminho sem volta e rápido. Em breve, a revista CartaCapital se chamará SMS Capital, Papai Noel só receberá tuites das crianças e condutores precisarão tirar DM de motorista. Uma coisa será boa. Livros como Cartas Entre Amigos de Gabriel Chalita e padre Fábio de Melo também deixarão de existir.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Contos da Meia Noite 2

Havia esquecido que tinha outros contos da meia noite para disponibilizar aqui. Vou continuar postando os vídeos e, depois, vou colocar os arquivos em mp3. Fica bem legal ir caminhando pela rua ouvindo os contos.

Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria - Antônio Alcântara Machado (por Mateus Nachtergaele)

Belinha - Marcelino Freire (por Walmor Chagas)

Carta de um Defunto Rico - Lima Barreto (por Beth Goulart)

Diário de Amor de um Moço Delicado - Ribeiro Couto (por Mateus Nachtergaele)

Dois Corpos que Caem - João Silvério Trevisan (por Antônio Abujamra)

Eu Estava Ali Deitado
- Luis Vilela (por Mateus Nachtergaele)

O Arquivo - Victor Giudice (Antônio Abujamra)

O Plebiscito - Artur Azevedo (por Antônio Abujamra)

Porque Lulu Bergantin Não Atravessou o Rubicon - José Cândido de Carvalho (Antônio Abujamra)

Sino de Ouro - Julia Lopes de Almeida (por Beatriz Segall)

Suje-se Gordo! - Machado de Assis (por Mateus Nachtergaele)

A Caolha - Júlia Lopes de Almeida (por Marília Pera)

Bugio Moqueado - Monteiro Lobato (por Giulia Gam)

Gringuinho - Samuel Rawet (por Mateus Nachtergaele)

Vozes do Morto - Moreira Campos (por Maria Luisa Mendonça)

domingo, 15 de maio de 2011

"Marx: os revolucionários também amam", de Leandro Konder


"No peito do desafinado também bate um coração"
Tom Jobim e Newton Mendonça

Marx e o amor são duas palavras que dificilmente encontramos juntas, uma ao lado da outra. O que os ligaria, afinal? O que teriam a ver, um com o outro, o teórico militante da luta de classes e o sentimento sublime cantado pelos poetas? Que impressão produziriam, reunidos num mesmo quadro, o enérgico filósofo barbudo e o deus menino Eros, filho de Afrodite? Só o nosso tempo, fascinado por audácias anticonvencionais e questionamentos (revisões) dilacerantes, poderia descobrir interesse nessa estranha aproximação.

Em 1847, Marx irritou-se bastante quando encontrou ecos da retórica cristã sobre o amor em escritos de Feuerbach. Para ele, Feuerbach idealizava e superestimava os impulsos afetivos do ser humano, tinha uma visão contemplativa da sensibilidade e não levava suficientemente em conta a atividade criadora de que o homem é capaz, seu poder de transformar-se e transformar o mundo.

Marx acusava os "princípio sociais do cristianismo" de projetar no céu a compensação de todas as infâmias sofridas na terra. Considerava essa perspectiva inaceitável, porque enfraquecia a combatividade, num período em que os lutadores precisavam travar grandes combates. Quando foi da Alemanha para Paris, convenceu-se de que o portador material da causa da libertação da humanidade era o proletariado.

A adesão do intelectual Marx à causa da classe operária não foi uma adesão friamente pensada. Ao participar de uma reunião clandestina de trabalhadores, Marx emocionou-se com a fisionomia dos operários socialistas: "[...] a fraternidade dos homens não é nenhuma frase, mas sim verdade para eles, e a nobreza da humanidade nos ilumina a partir d[ess]as figuras endurecidas pelo trabalho". E isso foi escrito em 1844, bem antes de O Capital.

Uma das causas mais profundas da repulsa que Marx sentia pelo capitalismo estava justamente em sua convicção de que o modo de produção capitalista não só introduz grave "alienação" na relação entre sujeito-trabalhador e o fruto do seu trabalho, como cria um terrível "estranhamento" na relação dos homens uns com os outros que os torna extremamente inseguros, hipercompetitivos, e solapa as bases da solidariedade humana. Sufocada pela estreiteza dos horizontes classistas, a consciência dos homens experimenta enorme dificuldade em compreender os problemas universalmente, quer dizer, do ângulo do gênero humano.

A alienação tem suas raízes no trabalho, porém abrange, com grande variedade de formas, todas as atividades do homem. Ela coloca o ser humano em doloroso conflito com ele mesmo, com seus semelhantes e com a natureza (inclusive com o que existe nele de irredutivelmente natural).

A propriedade privada deforma tudo, leva-nos a crer que o homem rico é aquele que possui coisas, quando na realidade o homem "naturalmente" rico é aquele que sente com mais intensidade a necessidade interior de se realizar através de múltiplas manifestações vitais, isto é, aquele cuja atividade essencial sensível está carregada de paixão.

Essa paixão, no sentido que Marx atribui ao termo, não se confunde com a palavra usada com frequência para designar surtos entusiásticos, arrebatadamente adolescentes, que no entanto não ultrapassam as fronteiras dos horizontes do individualismo. O autor de Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 escreveu: "a dominação da essência objetiva em mim, a irrupção sensível da minha atividade essencial é a paixão".

Colocada em nossa atividade essencial sensível, universal e humana, a paixão tem uma significação especial na relação entre homens e mulheres.

"A relação imediata, natural, necessária, do homem com o homem é a relação do homem com a mulher. Nesta relação genérica natural a relação do homem com a natureza é imediatamente a sua relação com o homem, assim como a relação com o homem é imediatamente a sua relação com a natureza, a sua própria determinação natural. Nesta relação fica sensivelmente claro portanto, e reduzido a um factum intuível, até que ponto a essência humana veio a ser para o homem natureza ou a natureza [veio a ser] essência humana do homem. A partir desta relação pode-se julgar, portanto, o completo nível de formação (die ganze Bildungsstufe) do homem".

A relação do homem com a mulher põe a nu a degradação a que chegam os seres humanos em sociedades marcadas pela divisão social do trabalho, pela propriedade privada. E Marx insiste: na relação do homem com a mulher vê-se "até que ponto a carência do ser humano se tornou carência humana para ele", quer dizer, "até que ponto ele, em sua existência mais individual, é ao mesmo tempo coletividade (Gemeinwesen)".

Em outra passagem de Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, Marx adverte o leitor: "Pressupondo o homem enquanto homem e seu comportamento com o mundo enquanto um [comportamento] humano, tu só podes trocar amor por amor, confiança por confiança etc.". Nas condições da alienação, todavia, o dinheiro - a capacidade exteriorizada (entäusserte) da humanidade - quantifica e relativiza tudo, subverte todos os valores, "transforma a fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude".

O texto em que Marx esclareceu pela primeira vez alguns aspectos decisivos de sua perspectiva filosófica já deixava ver em seu pensamento uma concepção antropológica do amor. O amor é uma "maneira universal" que o ser humano tem de se apropriar do seu ser como "um homem total", agindo e refletindo, sentindo e pensando, descobrindo-se, reconhecendo-se e inventando-se.

A propriedade privada complica as coisas, dificulta tanto a compreensão com a experiência vivida do amor: "o lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto, pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter". E o capitalismo torna o problema ainda mais agudo.

Depois de 1844, Marx não voltou a dedicar atenção ao tema, porque outras questões lhe pareceram ter implicações mais diretas e profundas nos conflitos políticos em que se achou envolvido. Quando o amor aparecia nos escritos que estava lendo, o filósofo marcava posição.

Em A sagrada família, ele ridicularizou Edgar Bauer, representante da chamada "Crítica crítica", porque este se referia ao amor como uma "criancice". Marx fustigou a abstratividade e o intelectualismo do outro: "O que a Crítica crítica quer combater com isso não é apenas o amor, mas tudo aquilo que é vivo, tudo que é imediato, toda experiência sensual, toda experiência real".

Marx também foi sarcástico em relação a Max Stirner e a outro campeão da "Crítica crítica" de nome Szeliga. Disse que Szeliga reduzia "o verdadeiro amor sensual à secretio seminis [secreção seminal] mecânica". E afirmou que a relação entre as teorias muito especulativas de Max Stirner e o estudo do mundo real era uma relação análoga àquela que existia entre o onanismo e o amor sexual.

Marx não tinha nenhuma tendência a flutuar no plano da teoria como num limbo: ele vivia o que pensava. A luta política, os estudos, as dívidas e as preocupações financeiras, nada disso o absorvia tanto a ponto de fazê-lo esquecer o amor que tinha por sua mulher, Jenny.

Sua concepção do amor como um dos meios da realização do "homem total", como um dos modos de o ser humano apropriar-se universalmente do seu ser, não pode ser desligada de seu engajamento amoroso existencial, quer dizer, de sua relação amorosa com Jenny.

O jornalista francês Pierre Durand escreveu um livro interessante a respeito desta relação. Nele estão reconstituídas todas as principais peripécias e vicissitudes de um grande amor, cuja história atravessa numerosas crises ao longo de mais de 45 anos.

Em 1836, aos dezoito anos de idade, Marx apaixonou-se por Jenny, que era quatro anos mais velha do que ele. Pediu-a em casamento, ela aceitou. Como o pretendente não tinha condições de se casar, os dois foram obrigados a esperar oito anos.

Jenny fazia muito sucesso na cidade de Trier, era admirada nas festas e não teria dificuldade para desposar algum pretendente rico; ela era a filha dileta do primeiro conselheiro, o barão Ludwig von Mestphallen. Quando aceitou se casa com o jovem filho do cristão-novo Hirschel Marx, a situação tornou-se tão insólita que de início o noivado permaneceu em segredo.

Karl Marx, o noivo, foi para Berlim. De lá, enviava à noiva poemas transbordantes de carinho, saudade e má literatura. Voltando a Trier de férias, oficializou o noivado. Pretendia tornar-se professor de filosofia, chegou a doutorar-se, porém o clima político na Prússia piorou e o filósofo só conseguiu arranjar trabalho como jornalista. O casamento só se realizou em junho de 1843.

A vida do casal, como se sabe, foi atribuladíssima. Instalaram-se em Paris, onde Marx foi diretor de uma revista que teve um único número e fracassou. Em dado momento, acusado de desenvolver atividades políticas "subversivas", foi mandado para a Bélgica. Regressou à Alemanha, editou um jornal em Colônia e acabou se fixando em Londres, como exilado, por mais de trinta anos.

Marx e Jenny tiveram muitos filhos: a filha mais velha nasceu em Paris, em 1844, ano em que os Manuscritos foram escritos. A segunda filha, Laura, nasceu em Bruxelas, em 1845. Edgar também nasceu em Bruxelas, em 1846, e morreu oito anos e meio mais tarde. Já Guido nasceu em Londres, em 1849, e viveu somente um ano. Francisca, nascida igualmente em Londres, em 1851, teve o mesmo destino trágico do irmão: morreu com um ano de idade, Eleanor, a caçula a quem todos chamavam de Tussy, teve mais sorte: nasceu em 1855 e sobreviveu.

Dos seis filhos nascidos, afinal, sobreviveram apenas as três mulheres. E das três - evidentemente marcadas pela dramática vida dos pais -, duas (Eleanor e Laura) viriam mais tarde a se suicidar.

A vida privada de Marx não foi menos agitada do que sua vida pública. Um episódio em particular foi ocultado durante muito tempo e só mais de um século depois é que foi possível reconstituí-lo. Em 1962, o historiador alemão Werner Blumenberg comprovou que em 1851 Helene Demuth, criada de Jenny e oito anos mais nova do que ela, teve um filho de Marx. Engels, o fiel amigo, assumiu a paternidade da criança para ajudar o apavorado Karl. O menino Friedrich Demuth foi entregue a uma família no East End de Londres que cuidou dele às custas de Engels. Friedrich viveu até 1929. Eleanor, a mais jovem das filhas de Marx, chegou a saber da verdade. O próprio Engels, no fim da vida, impossibilitado de falar, rabiscou a informação numa lousa. Eleannor chorou muito. Depois, estabeleceu contato com seu meio-irmão e pareciou muito suas qualidades humanas.

Eleanor matinha com Edward Aveling uma relação amorosa muito sofrida. Um mês antes de se suicidar, ela escreveu uma carta a Friedrich, em que lhe dizia: "Considero-o um dos maiores e melhores homens que já conheci". Mesmo que o tom da declaração pareça um tanto exagerado, talvez funcionando inconscientemente com uma compensação pelas decepções sofridas com o pai e o com o amante, a admiração da meia-irmã depõe a favor do enjeitado Friedrich.

Em meio a todas as tempestades, enfrentando agruras, fugindo dos credores, preocupado com as filhas, Marx lutou a vida inteira pelo afeto de sua mulher, Jenny. Há numerosos testemunhos, diversas cartas que o comprovam.

Uma carta de Marx a Jenny, escrita em 21 de junho de 1856, quando ele estava em Manchester, é particularmente expressiva. Ela nos traz algo do viço e da impetuosidade de vinte anos antes. Marx começa dizendo: "Amadinha do meu coração, torno a te escrever porque estou sozinho e porque me cansa ficar dialogando na minha cabeça o tempo todo, sem que tomes conhecimento disso, sem que possas me ouvir e responder".

Em seguida, ele conta que beija sempre o retrado dela e sonha com ela. "Beijo-te dos pés à cabeça, caio de joelhos diante de ti e gemo: amo-a, minha senhora. De fato, te amo. E te amo mais do que o mouro de Veneza jamais amou". (A comparação com Otelo se deve ao fato de que o apelido de Marx na família era "mouro".) Adiante, ele escreve: "Quem, entre os meus numerosos caluniadores, quem, entre os meus inimigos maledicentes, já me acusou de ter vocação para desempenhar o papel de apaixonado num teatro de segunda categoria? Nenhum. No entanto, essa acusação seria verdadeira".

E prossegue: "Certamente sorris, meu bem, e perguntas por que de repente eu venho com toda essa retórica. Se eu pudesse, contudo, apertar teu coração doce contra o meu coração, então me calaria, não diria mais nada".

A existência de outras mulheres, até bonitas, é reconhecida por Marx, porém elas não lhe interesssam: "Na realidade, existem muitas outras mulheres e algumas delas são belas. Mas onde eu encontraria de novo um rosto no qual cada traço - e mesmo cada ruga - seja capaz de evocar as lembranças mais fortes e deliciosas da minha vida".

Em outro trecho, o pensador revolucionário volta, mais uma vez, a discorrer em termos gerais sobre o amor. Não o faz em termos filosóficos, como nos Manuscritos de 1844, mas em função de sua experiência de homem apaixonado. Diz ele:

"Basta que estehas longe e meu amor por ti aparece como ele é, como um gigante no qual se acham reunidas toda a energia do meu espírito e toda a vitalidade do meu coração. Sinto-me outra vez um homem, na medida em que me sinto vivendo uma grande paixão. A complexidade na qual somos envolvidos pelos estudos e pela educação modernos, bem como o ceticismo com que necessariamente relativizamos todas as impressões subjetivas e objetivas, tudo isso nos leva muito eficazmente a nos sentirmos fracos, pequenos, indecisos e titubeantes. Porém o amor - não o amor feuerbachiano pelo ser, não o amor moleschottiano pela transformação da matéria, não o amor pelo proletariado, mas o amor pela amada (no caso, por ti) - torna a fazer do homem um homem".

Um dos efeitos perniciosos da alienação manifesta-se na cisão da personalidade, no abismo criado entre a vida pública e a vida privada. A paixão que Jenny inspira a Marx estimula-o a reagir contra a exagerada separação entre as duas esferas e fortalece no interior de sua alma as tendências comprometidas com a unidade.

É claro que o fortalecimento da unidade é sempre precário, o equilíbrio precisa ser constantemente reconquistado em meio a grandes tumultos. O filósofo sabia disso. Ele conhecia e apreciava uma frase de Shakespeare - e a cita no primeiro volume de O Capital - que diz: "O curso do verdadeiro nunca é sereno".

Marx não foi só um defensor do amor no plano teórico, mas foi também um praticante radical do amor em sua relação com Jenny. Quando ela morreu, em 1 de dezembro de 1881, Engels previu, desanimado: "O 'mouro' não vai sobreviver". De fato, Marx ficou arrasado. Numa carta ao amigo, em 1 de março de 1882, ele escreveu: "Você sabe que há poucas pessoas mais avessas ao patético-demonstrativo do que eu. Seria, contudo, uma mentira não confessar que grande parte do meu pensamento está absorvida pela recordação da minha mulher, boa parte da melhor parte da minha vida".

Em seus escritos, o número de lapsos de linguagem aumenta. Sua saúde piora a cada semana. Os genros - Lafargue e Longuet - despertam-lhe crescente irritação. Um ano e quatro meses após a morte de sua mulher, também ele, afinal, se extingue.

In: Konder, L. Sobre o Amor. São Paulo: Boitempo, 2007, pp. 19-26.

sábado, 14 de maio de 2011

A Single Man

Diretor: Tom Ford

Elenco: Colin Firth, Julianne Moore, Ginnifer Goodwin, Matthew Goode, Nicholas Hoult

Sinopse: Los Angeles, 1962, no pico da Crise dos Mísseis de Cuba. George Falconer é um professor universitário de 52 anos, a tentar encontrar de novo um sentido para a vida, depois da morte do seu companheiro de sempre, Jim. George mergulha no passado e não consegue imaginar o seu futuro, quando o acompanhamos durante um único dia, onde uma série de encontros e acontecimentos o levam a decidir se afinal haverá ou não sentido para a vida depois de Jim. George é consolado pela sua amiga chegada Charley, uma beldade de 48 anos, também ela a lutar com as suas próprias questões acerca do futuro. E um jovem estudante de George, Kenny, que se está a aceitar como ele é, persegue George, vendo nele uma alma gêmea.

Formato: AVI Tamanho: 692

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Budapeste

Direção: Walter Carvalho

Elenco: Leonardo Medeiros, Gabriella Hamori, Giovanna Antonelli

Sinopse: José Costa (Leonardo Medeiros) é um bem sucedido ghost writer. Ao retornar do Congresso de Escritores Anônimos, em Istambul, uma ameaça de bomba faz com que seu vôo aterrisse em Budapeste, na Hungria. Logo ao chegar, se apaixona pelo idioma local. Já de volta ao Rio ele reencontra Vanda (Giovanna Antonelli), sua esposa, e o filho. Entretanto sua vida torna-se cada vez mais infeliz, o que faz com que comece a murmurar em húngaro enquanto dorme. Para salvar o casamento Costa passa a escrever autobiografias, numa tentativa de que a vida de outras pessoas o salve do tédio que sente. Seu maior sucesso comercial é "O Ginógrafo", que conta as aventuras amorosas de um alemão, Kaspar Krabbe (Antonie Kamerling), no Brasil. Só que Vanda se apaixona por Krabbe, acreditando ser ele o autor do livro, o que faz com que Costa sinta-se traído e ressentido com o trabalho que exerce.

Formato: AVI Tamanho: 690 Mb

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Não Estou Lá

Direção: Todd Haynes

Elenco: Christian Bale, Marcus Carl Franklin, Ben Whishaw, Richard Gere

Sinopse: Bob Dylan (Christian Bale / Cate Blanchett / Heath Ledger / Marcus Carl Franklin / Richard Gere / Ben Whishaw), ícone musical, poeta e porta-voz de uma geração. Sempre viveu em constante mutação ao longo da vida, especialmente durante os anos 60. Musicalmente, fisicamente, psicologicamente, as alterações do seu personagem público dialogaram com acontecimentos sociais e ocasionaram múltiplas repercussões culturais. De jovem menestrel a profeta folk, de poeta moderno a roqueiro, de ícone da contracultura a cristão renascido, de caubói solitário a popstar.

Formato: RMVB Tamanho: 352 Mb

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O Carteiro e o Poeta

Direção: Michael Radford

Elenco: Massimo Troisi, Philippe Noiret, Maria Grazia Cucinotta, Renato Scarpa.

Sinopse: Por razões políticas o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret) se exila em uma ilha na Itália. Lá um desempregado (Massimo Troisi) quase analfabetoé contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar da correspondência do poeta, e gradativamente entre os dois se forma uma sólida amizade.

Formato: AVI Tamanho: 698 Mb

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sábado, 7 de maio de 2011

Entre os Muros da Escola

O problema da escola. É a esta discussão que se dedica este filme francês. A evidência imediata dos conflitos de um suposto "choque de civilizações" que o filme manifesta não pode ser ampliada exageradamente ao ponto de obscurer uma visão mais de fundo e que se configura nas possibilidades ou não de uma educação redentora. A escola como microcosmo da sociedade, como locus de produção de uma força social contra-hegemônica, como ambiente de pura reprodução do status quo, etc. É esta a discussão que o filme provoca. Está no dia-a-dia dos professores lidando com a indisciplina, está entre os muros da escola, está fora deles, está fora da França, está entre os muros do capital, está para além dele? Onde está?

Ano: 2008
Diretor: Laurent Cantet
Elenco: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja Rachedi.
Sinopse: François Marin (François Bégaudeau) trabalha como professor de língua francesa em uma escola de ensino médio, localizada na periferia de Paris. Ele e seus colegas de ensino buscam apoio mútuo na difícil tarefa de fazer com que os alunos aprendam algo ao longo do ano letivo. François busca estimular seus alunos, mas o descaso e a falta de educação são grandes complicadores.

Formato:
RMVB legendado Tamanho: 403 Mb

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Belchior - Na Hora do Almoço



No centro da sala,
Diante da mesa,
No fundo do prato,
Comida e tristeza.
A gente se olha,
Se toca e se cala
E se desentende
No instante em que fala.
Medo, medo, medo...
Cada um guarda mais o seu segredo,
A sua mão fechada,
A sua boca aberta,
O seu peito deserto,
A sua mão parada, lacrada
E selada,
E molhada de medo.
Medo,medo,medo...
Pai na cabeceira: é hora do almoço.
Minha mãe me chama: é hora do almoço.
Minha irmã mais nova, negra cabeleira...
Minha avó reclama: é hora do almoço.
Moço, moço, é hora do almoço!
E eu ainda sou bem moço
Pra tanta tristeza.
Deixemos de coisas,
Cuidemos da vida,
Senão chega a morte
(ou coisa parecida)
E nos arrasta, moço
Sem ter visto a vida
Ou coisa parecida
Ou coisa parecida
Ou coisa parecida

Sobrado 112

Tenho ouvido muito ultimamente este grupo. Até agora eles lançaram três discos: no primeiro disco, o flerte é marcadamente com o samba; no segundo, a presença mais forte é do ska e do reggae (sem exagerar em nenhum dos dois) (tem até uma que faz um blues da hora); o último continua na linha do segundo com a diferença de ser instrumental.

É de muita qualidade. Sonzeira!

Desmanche (2007)




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Isso Nunca me Aconteceu Hoje (2009)





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No País da Skapolca (2011)





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Bravura Indômita

Ano: 2010
Diretores: Irmãos Cohen
Elenco: Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper
Sinopse: O pai de Mattie Ross (Hailee Steinfeld), de apenas 14 anos, foi assassinado a sangue frio por Tom Shaney (Josh Brolin). Em busca de vingança, ela resolve contratar um xerife beberrão, Reuben J. Cogburn (Jeff Bridges), para ir atrás dele. Inicialmente ele recusa a oferta, mas como precisa de dinheiro acaba aceitando. Mattie exige ir junto com Reuben, o que não lhe agrada. Para capturar Shaney eles precisam entrar em território indígena e encontrá-lo antes de La Boeuf (Matt Damon), um policial do Texas que está à sua procura devido ao assassinato de outro homem.

Formato
: AVI Tamanho: 1,4 Gb

Downloadeie parte 1, parte 2, parte 3

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sérgio Sampaio - Roda Morta (Reflexões de Um Executivo)

y

O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
(2x)
mais e mais

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Charles Baudelaire - Flores do Mal

Lesbos

Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias,
Lesbos, ilha onde os beijos, meigos e ditosos,
Ardentes como os sóis, frescos quais melancias,
Emolduram as noites e os dias gloriosos;
Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias;

Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas,
Que desabam sem medo em pélagos profundos,
E correm, soluçando, em maio às colunatas,
Secretos e febris, copiosos e infecundos,
Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas!

Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,
Onde jamais ficou sem eco um só queixume,
Tal como Pafos as estrelas te veneram,
E Safo a Vênus , com razão, inspira ciúme!
Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,

Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,
Onde, diante do espelho, ó volúpia maldita!
Donzelas de ermo olhar, dos corpos amorosas,
Roçam de leve o tenro pomo que as excita;
Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,

Deixa o velho Platão franzir seu olho sério;
Consegues teu perdão dos beijos incontáveis,
Soberana sensual de um doce e nobre império,
Cujos requintes serão sempre inesgotáveis.
Deixa o velho Platão franzir seu olho sério.

Arrancas teu perdão ao martírio infinito,
Imposto sem descanso aos corações sedentos,
Que atrai, longe de nós, o sorriso bendito
Vagamente entrevisto em outros firmamentos!
Arrancas teu perdão ao martírio infinito!

Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser?
Ou condenar-te a fronte exausta de extravios,
Se nenhum deles o dilúvio pôde ver
Das lágrimas que ao mar lançaram os teus rios?
Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser?

De que valem as leis do que é justo ou injusto?
Virgens de alma sutil, do Egeu orgulho eterno,
O vosso credo, assim como os demais, é augusto,
E o amor rirá tanto do Céu quanto do Inferno!
De que valem as leis do que é justo ou injusto?

Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo
Para cantar de tais donzelas os encantos,
E cedo eu me iniciei no mistério profundo
Dos risos dissolutos e dos turvos prantos;
Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo.

E desde então do alto da Lêucade eu vigio,
Qual sentinela de olho atento e indagador,
Que espreita sem cessar barco, escuna ou navio,
Cujas formas ao longe o azul faz supor;
E desde então do alto da Lêucade eu vigio

Para saber se a onda do mar é meiga e boa,
E entre os soluços, retinindo no rochedo,
Enfim trará de volta a Lesbos, que perdoa,
O cadáver de Safo, a que partiu tão cedo,
Para sabe se a onda do mar é meiga e boa!

Desta Safo viril, que foi amante e poeta,
Mais bela do que Vênus pelas tristes cores!
- O olho do azul sucumbe ao olho que marcheta
O círculo de treva estriado pelas dores
Desta Safo viril, que foi amante e poeta!

- Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida,
A derramar os dons da paz de que partilha
E a flama de uma idade em áurea luz tecida
No velho Oceano pasmo aos pés de sua filha;
Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida!

- De Safo que morreu ao blasfemar um dia,
Quando, trocando o rito e o culto por luxúria,
Seu belo corpo ofereceu como iguaria
A um bruto cujo orgulho atormentou a injúria
Daquela que morreu ao blasfemar um dia.

E desde então Lesbos em pranto lamenta,
E, embora o mundo lhe consagre honras e ofertas,
Se embriaga toda noite aos uivos da tormenta
Que lançam para os céus suas praias desertas!
E desde então Lesbos em pranto lamenta!