terça-feira, 30 de outubro de 2007

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Primeira Pessoa

Acabei de voltar do banheiro. É engraçado, porque eu já estou cansado de saber que uma das minhas características mais estranhas é que eu sou condicionado a pensar sobre as coisas no banheiro. Principalmente durante o banho. Parece que sentir a água esquentando minha pele abre minha percepção para novas idéias. Acontece que pensar nem sempre é o mesmo que lembrar. E acontece também que esqueço sempre o que pensei como se a toalha enxugasse a memória e não deixasse nem as lembranças do chuveiro.

Mas agora a pouco, antes de voltar do banheiro, lembrei. E decidi vir correndinho para cá para não mais esquecer. E tenho que escrever rápido para que as lembranças não escapem. E já estou sentindo-as imergirem. Mas vamos lá, vou fazer um esforço.

Depois que me espantei no espelho, pensei em como começar um conto, uma crônica, um texto qualquer. Sou craque em começar textos. Poderia ser bem sucedido se houvesse mercado para “iniciadores de texto”, pois já li várias vezes que essa tal da primeira frase é sempre um tormento para alguns escritores. Para mim o tormento vem depois, quando tenho que conseguir convencer àqueles que me lêem de que eu realmente estou querendo dizer alguma coisa.

De modo que eu pensei em começar algo assim:

“Esses dias mesmo, acabei estacando no seguinte repente: achei engraçado a expressão ´primeira pessoa´ que li num fragmento de xerox duma aula dum cursinho que tem perto de casa. Pensei: ´por que nós temos que nos referir a nós mesmos como sendo primeira pessoa?´ E percebi que estava cometendo um paradoxo, uma contradição em si, porque o pronome “nós” não é primeira pessoa. E como não sou um ás em gramática, nem sei que diabo de pessoa somos “nós”. Primeira pessoa sou eu. Você, por exemplo, é uma flexibilização do pronome Tu, que também não é primeira pessoa; é segunda. Ele é terceira. E acaba por aí, mesmo que na mesa de bar tenha mais alguns amigos. Todos eles, menos você, serão terceiras pessoas. Assim, gramaticalmente, minhas relações ficam reduzidas a três pessoas sempre: eu, você e ele ou ela. Uma outra coisa engraçada é que destas três pessoas que existem, apenas uma concorda com o gênero: a terceira; nas outras duas não se grafia o feminino e o masculino. Eu sou eu, posso ser mulher ou homem. Tu ou você, mesma coisa. Agora, a terceira pessoa é ele ou ela. Isto no português porque no inglês parece que todo mundo é assexuado.

O que acho besteira – embora entenda que é preciso certa ordem nisso tudo – sou eu ser a primeira pessoa na hierarquia das pessoas. Por quê eu venho em primeiro lugar? Essa regra não respeita nem a ordem de chegada ao mundo, porque tão logo nasço já sou eu, isto é, primeira pessoa. Nem bem cheguei e sou o primeiro da fila e as outras vêm depois de mim. E eu ainda nem sei que língua vão me ensinar a falar.

As pessoas dão muito crédito aos primeiros lugares. Eu recuso ser o primeiro, me recuso a me tomar como referência, como ponto de partida. Prefiro me fundir em você. Para que sejamos todos nós, ou, se alguém de nós ouvir falar, para ele, todos eles.”

Olha só. Comecei um texto e acho que terminei. O desfecho foi feito às pressas. Tenho que aprender a ser mais conciso. Mas não é fácil.

Ah, o que eu lembro do banheiro é só a primeira frase. O resto eu deixei os dedos errarem por si próprios.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Risco da Sinceridade

Criscalina

Se conselho fosse bom, ninguém dava: vendia.
Mas as pessoas insistem. Não desistem: persistem.

Vítima de um complexo de fidelidade, sou fiel até à banca de revista onde compro chocolates, mesmo quando tinha de agüentar as adulações do jornaleiro que sempre entregava o troco com dois Embarés e um “apareça, lindinha”.

Eu aparecia. A salvação do mal-estar causado pela bajulação era o chocolate, consumido a partir do primeiro pé fora da banca, e os Embarés, logo em seguida, pra tirar o gosto.

De tanto voltar, o jornaleiro sentiu-se respaldado ao ponto de me dar conselhos.
Sei lá: deve ter visto um quê de vulnerabilidade no meu sorriso amarelado pelos adules.

Aproveitando um dia de infantil indecisão entre um Prestígio e dois Batons, começou:
“Tão bonitinha! Não vá deixar de estudar não, viu?”

Imersa na dúvida se, na verdade, não deveria pedir um Chokito, respondi indiferente que já estava com os estudos concluídos.

Feliz, ele:
“Muito bem! Agora, minha filha, entre na faculdade: vá correr atrás de um grau.”

Começando a me encabular, respondi, entre uma linha e outra do pedido de um Sensação, que já tinha entrado na faculdade.

Espantado, mas não desistindo de sua missão, o jornaleiro continuou:
“Já? Pois vá até o fim! Tem tanta gente que desiste no meio do caminho. Não vá desistir não!”

Completamente embaraçada, mas incapaz de mentir pra quem tanto me queria ajudar, entreguei o dinheiro, e respondi, recebendo o chocolate, já ter me formado.

Encurralado, catou um novo conselho, e falou feito um pai, num tom autoritário, quase irritado:
“Pois não vá depender de homem não! Arrume um emprego! Trabalhe! Depois, pense duas vezes antes de casar! E, olhe lá, arranje um bom marido!”

Ouvi pegando o troco. Agradeci sem conferir. Sem guardá-lo, saí.
Quando me dei conta: já tinha comido o chocolate.
E pra tirar o gosto: sequer um Ice Kiss.

Histórias Daquelas, e daquelas outras também

Já tive experiências interessantes pela internet. A começar por quando eu entrava na internet para conversar no mirc e no icq. Gastava todo o limite de horas da nossa internet discada na procura de canais interessantes para conversar com pessoas interessantes madrugada a fora. É lógico que, como adolescente que era, não pude resistir à tentação de inventar fakes de mim mesmo para curtir com esperança dos outros. Dizia ser uma pessoa que eu não era, escrevia coisas de outras pessoas dizendo que eram minhas, botava em mim olhos, cabelos e narizes que não eram meus, mudava o destinatário de algumas cartas. Consegui até uma namorada agindo assim. Imagino qual foi a surpresa dela quando a gente teve mesmo que se encontrar. Mas confesso que talvez tenha me surpreendido igualmente quando, mesmo depois de me conhecer, ela aceitou ficar comigo mesmo assim. Até que, enfim, como agora acontece com meu técnico, ela me substituiu.

O que eu queria com este preâmbulo era dizer que a internet nos reserva surpresas deliciosas. Mas para isso a gente deve deixar de visitar só os mesmo endereços todos os dias. E aproveitar dos links. O medo de vírus nos condiciona a ser desconfiado. Eu não tenho medo não. Qualquer coisa dou um "cancelar". Então, me senti muito feliz em saber que as coisas que a gente precisa conhecer já existem, porque alguém já fez. Nós precisamos é complementar, como acontece quando em uma roda de amigos um conta uma piada e os outros vão espichando-a na vã tentativa de tornarem infinitas as momentâneas risadas.

Eu encontrei o que queria. Sem querer. É um blog. Quase tudo hoje tem num blog. Então, a coisa que - sem querer - queria encontrar foi um blog.

Imagine que você é um solitário. Um eterno perdedor. Que você até tem vontade, mas se vê dominado pela inércia de repouso. Falta força para se pôr em movimento. Os seus amigos começam a ficar preocupados com você. Um pouquinho depois, sua família também. Sua avó convence a todos que a solução a lhe achar uma namorada. Eles ficam te apurrinhando até que você fica puto, entra na internet, escolhe meu blog como página inicial, vai no menu à direita e escolhe o link Histórias Daquelas, e daquelas outras também. Posso te garantir que, no mínimo, você vai ver que há chance de se ver coisas boas nessa vida. Ah, para que os presunçosos não se sintam não merecedores da dica, vocês também podem aprender alguma coisa lá. Como eu.

Garanto. Naveguem pelo blog. Leiam os escritos e me digam se aquilo não enche o balão murcho da nossa esperança. Confesso que estou pagando pau pra moça. Mas fazer o que?

Atenciosamente,

Alifanfarrão

sábado, 20 de outubro de 2007

Faichecleres

"Que música é essa, meu filho? Onde você anda escutando essas coisas? Que coisa horrível! Já te falei para parar de andar com esse muleques. Eles são uns canalhas. Ah, e vou conversar de uma vez por todas com seu pai. Assim não dá. Vamos ter que cortar a intenet!"

Seria exatamente essa a reação da minha mãe se ela tivesse me ouvido cantando "Ela só quer me ter" há alguns anos atrás. Mas felizmente para mim e infelizmente para ela, os Faichecleres (banda ao lado) só lançou essa música em 2005. E, daí, eu já tinha uma graninha para pagar minha internet. E também ela não conhece mais todos meus amigos.

Saídos de uma animação pré-psicodélica dos anos 60, os Faichecleres se materializaram em banda de rock na cidade de Curitiba e enlouqueceram as menininhas da Cidade Cinza com suas costeletas e letras sacanas.


Minha mãe talvez tenha razão. Eles são mesmo uns canalhas. Mas no bom sentido é claro! A gente consegue perceber o sofrimento de uma amor não correspondido mas sem concessões, como, por exemplo, em "Isso não é tão mal assim". O amor tem dessas coisas.
Tudo bem. A gente tem, no entanto que combinar uma coisa. Eles não tem o mesmo charme que os Beatles em "Oh Darling". Mas quem disse que a vida é fácil? - já dizia o capitão Nascimento.

Abraço a todos!

Enjoy!


Indecente, Imoral e Sem Vergonha (2005)










Calçada Da Fama (2007)




Downloadeie este disco

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Pacotes, excluídos e emergentes

Considere-se a afirmação seguinte: “Os países atrasados anunciaram um pacote de ajuda aos miseráveis.” Considere-se agora esta outra: “Os países emergentes anunciaram um conjunto de medidas de ajuda aos excluídos.” Qual a diferença entre uma frase e outra? Nenhuma, quanto ao conteúdo. Mas como soa mais benigna a segunda, expurgada da crueza selvagem da primeira... A primeira, dita num salão, choca como palavrão. Soa como vitupério de rameira em rixa de bordel. A segunda deleita como solo de clarineta. Parece discurso de doutor em noite de entrega de título honoris causa. Por isso, governa-se com a segunda.


Estamos falando da arte de se valer dos eufemismos. Quando morre a mãe de alguém, é grosseiro anunciar-lhe: “Sua mãe morreu”. No mínimo, a pessoa dirá que a mãe “faleceu”. Também poderá dizer que “desapareceu”. Ou então, se ainda achar pouco, que “feneceu”, delicado verbo emprestado às flores, com o que a morte se apresentará cheirosa como lírio, colorida como cravo. O eufemismo, como a hipocrisia, é a homenagem que, na linguagem, o vício presta à virtude. Soa mais virtuoso confessar a existência de “relações impróprias” com alguém, conforme fórmula celebrizada pelo presidente dos Estados Unidos, do que dizer que se cometeu adultério.


Na segunda das frases acima estão reunidos três dos eufemismos mais correntes na vida pública. Dois deles são universais – “emergente” para país atrasado e “excluído” para miserável. O terceiro, “conjunto de medidas” em lugar de “pacote”, fala exclusivamente à sensibilidade brasileira e, mais ainda, do atual governo brasileiro. “Emergente” para país atrasado ou, para ser mais exato, remediado, é a última de uma longa linhagem de fórmulas classificatórias dos países segundo sua riqueza. Até a primeira metade do século, quando ainda não se carecia de eufemismos, nesta área – ou, caso se prefira, de linguagem politicamente correta – os países eram simplesmente ricos e pobres, quando não metrópoles e colônias. Com a adoção do conceito de “desenvolvimento”, depois da II Guerra, passaram a ser “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”. Mais adiante, para não achincalhar a todos, indistintamente, com a pecha infamante de “subdesenvolvido”, premiou-se os melhores com o gentil “em desenvolvimento”. Tais países não eram mais “sub”, não estavam mais tão por baixo. Nos últimos anos, substituiu-se o “em desenvolvimento” por “emergente”, palavra que igualmente se opõe ao “sub”. São países não mais submersos, mas que emergem. Já põem a cabeça para fora.


“Excluídos” para designar os miseráveis é o coroamento de uma linhagem mais longa ainda de palavras com as quais se tenta melhorar a condição das pessoas na rabeira da escala social. Já se recorreu a peças do vestuário, por exemplo. Na Revolução Francesa havia os “sans-culottes”, os desprovidos do tipo de calça – o “culotte” – de uso dos nobres. Na Argentina de Perón e Evita consagrou-se o “descamisado”. Também já se falou – e se fala ainda – em menos favorecidos, despossuídos, humildes... “Excluído”, dirá o leitor, tem um sentido diverso. É aquele que o sistema produtivo exclui. Alguém pode ser pobre, porque mal remunerado, mas incluído, porque tem emprego e função na produção. Se o pobre pode não ser excluído, no entanto, dificilmente alguém será miserável e incluído. O que leva a concluir que, na prática, o excluído quase sempre se confunde com o miserável.


Resta falar da sorte da palavra “pacote”. “Pacote” nasceu inocentemente, na administração da economia, talvez por imitação das agências de turismo, que quando vendem passagens e hospedagem, tudo junto, vendem um “pacote”, para designar não uma, mas várias iniciativas adotadas ao mesmo tempo. Nasceu nesse sentido e nele devia permanecer: o de uma pluralidade de medidas, em vez de uma única. Sabe-se que o governo, para enfrentar a presente crise, adotará uma pluralidade de medidas. Por que então o horror à palavra pacote, anatematizada repetidas vezes pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que, ainda num discurso na semana passada, garantiu que “não existe nada de pacotes”?


Ocorre, circunstância fatídica, que os pacotes foram introduzidos na política brasileira pelo regime militar e costumavam ser baixados sem aviso nem consulta. Essa característica acabou contaminando o conceito de pacote, e eis-nos então de volta à anódina expressão “conjunto de medidas”, com a qual se pretende conferir a tais medidas, por maldosas que sejam, um atestado de bom comportamento. O eufemismo, desde sempre, foi parte integrante tanto da arte de governar quanto da de administrar as relações entre as classes sociais. No Brasil do século passado não havia escravo. Havia o “elemento servil”. O que isso tudo quer dizer é que quando é difícil modificar a sociedade, ou o governo, modifica-se a linguagem. Se não conseguimos, governo e sociedade, ser mais justos ou mais democráticos, sejamos, pelo menos, mais finos.

(Roberto Pompeu de Toledo – Revista VEJA – 14.10.98)

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O Revisor do "S Ponto" e seu Final Feliz

Arapuã
Começou em jornal na então avenida Irradiação (hoje, Tiradentes), junto ao Mercado Municipal de São Paulo, em 1950. Era um prédio com mais de quinze andares e, no 7º e 8º, funcionavam, respectivamente, o Deutsche Nachrichten e o Diário de Notícias. O Diário era dirigido pelo Galeão Coutinho, um homem que ele admirava por vários motivos. Um deles: era o autor do romance Simão, o Caolho. Outro: ostentava uma basta e ondulada cabeleira branca. Num dos pontuais desastres do desastroso DC- 3 da Real Aerovias, a alva cabeleira de Galeão ficou espetada como um escalpo na ponta de um galho de árvore. Também admirava Galeão como profissional implacável. Uma noite, terminara de ler uma matéria em português ainda mais pobre que esta que o privilegiado leitor deste mimoso magazine ora saboreia. Chamou o autor à sua mesa. O asno chegou, e Galeão Coutinho espichou-lhe as duas laudas datilografadas:
– Faça-me o favor: vá ao banheiro com esta sua matéria e volte dele sem ela.
Recomendado por Elias Miguel Raide, jornalista bom e contista ansioso, começou no Diário como quinto suplente de revisor. Só ganharia se faltassem cinco revisores. Geralmente, nenhum faltava.
Não sei como imaginar isso, mas o Elias ganhava ainda menos que ele – e os dois, com quase oitenta centavos sobrando nos bolsos, subiam para um sobrado da família Adams na Rua 25 de Março e lá, numa mesa nua e furada de cupim, devoravam o prato fundo, cheio de trigo preparado como arroz. Única refeição diária, mas, eles babavam diante do grão de trigo gordo, grande, cozido. Custavam sessenta centavos os dois pratos, dele e do Elias. Caros, porém cozinha internacional (síria) de primeira.
Chefe da revisão, Itamaraty Feitosa Martins queria ajudar, mas os titulares não ajudavam: nunca faltavam, e, naqueles dias, dois, cinco cruzeiros que ele pusesse nos bolsos eram como cocaína na veia – delirava com a dinheirama.
Elias dizia, agachado de rir, que pobre como nós só bóia quando vem a enchente, e acrescentava:
– Graças a Deus, sou católico, posso engolir a hóstia, ainda é grátis.
O suplente morava em pensão, na suíte de luxo com bolor exclusivo e janela abrindo para o beco. Havia, também, suítes de umidade executiva, com direito a tuberculose se o pensionista morasse por mais de seis meses. Além dessas acomodações especiais, as pensões ofereciam quartos comuns, com uma cama – e quatro paredes encostadas nela.
À noite, quatro num cubículo, dormia-se ao som do ronco tonitruante de um deles, e com o vento gaseificado da liberação sem pudor dos outros dois. Dante Alighieri, ali, era Cecília Meireles. Pelo grunhir, um chiqueiro – pelo odor, um esgoto. Mas o que eram os roncos e os gases, se comparados à comida servida todos os dias? Temia que fosse verdade o que dizia o Lívio Abramo: pobre só vai para frente quando o cassetete acerta na nuca.
O quinto suplente aparecia todas as noites e olhava a revisão. Olho comprido, de dar torcicolo em um ou dois titulares. Ansiava por uma epidemia, paralisando em suas residências, por uma semana que fosse, os titulares cus-de-ferro. Um sarampo medieval, uma catapora purulenta prostrando todos na cama – mas, sem matar. Não queria subir na vida matando titulares da revisão. Não veio a epidemia, mas veio o Feitosa Martins. Faltou ao serviço somente um titular, mas o Feitosa pediu aos outros quatro suplentes que o deixassem trabalhar.
Finalmente, estava no umbral para ingressar no jornalismo sério, o jornalismo de Wainer, dos Abramo, Frias, Barbosa Lima, Nelson Rodrigues, Ponte Preta, Sacchetta: ia fazer uma revisão. Quando o texto chegou, tomou-o nas mãos, trêmulo. Com o revisar da notícia, ele estaria trabalhando em jornal, já seria praticamente um jornalista. Terminada a revisão, alcançaria o panteão dos “jornalistas calejados”, como o Joel Silveira. Foi ao texto como vai o jovem noivo alucinado ao corpo da sua noiva virgem (naquela época), na noite de núpcias. Ansiava por se atracar com o hímen do primeiro erro, qualquer erro.
Pior que a morte, brochar sem corrigir. Precisava revisar, ansiava por usar o lápis em alguma linha do texto, marcar o erro, puxar para a margem e cifrar a correção feita por ele. “Feita por ele” – isso ressoava na sua alma inquieta. Mas e se aquela composição relativamente curta fosse toda correta, sem erro algum? Como salvar sua carreira de jornalista, com uma tragédia dessas logo no seu tiro de partida, revisar sem encontrar qualquer erro? Os titulares da revisão, no dia seguinte, diriam, com olhar superior:
– Suplentes! E querem trabalhar.
Queria o tumor do erro, extirpá-lo com a ponta cirúrgica do seu Johann Faber. Meia hora depois de iniciada a grande tarefa, Feitosa passou como quem não quer nada e espiou o trecho de texto. O futuro revisor colocou a mão como se fosse escrever algo, mas tentava esconder o tamanho da prova: dezoito míseras linhas sobre a nomeação de um funcionário da prefeitura, e todas elas sem nenhuma correção. Pensando bem, nem era notícia, mas, para o quinto suplente de revisor, era a manchete do dia:
MÉDICO NOMEADO PELA PREFEITURA DE SÃO PAULO
Leia mais detalhes no texto abaixo, revisado pelo renomado jornalista Raimundo Cavalcanti.
Nada mal, como começo de carreira. Feitosa deixou que o senso de amizade triunfasse sobre o dever da chefia – e seguiu adiante, para outra banca. Ele prosseguiu, febril, no trabalho de impiedoso cata-piolho. Parava em alguma palavra, pronunciava-a baixinho, uma, duas, cinco vezes: era o desespero por uma dissonância que o autorizasse a tacar o lápis e deixar a marca do seu vibrante jornalismo, uma arma do povo.
Onde estava aquele encontro de duas vogais sem o hífen? Cadê o verbo no tempo errado? Onde a palavra “prefeitura” grafada “perfeiturta”? Quando toparia com o encontro consonantal equivocado? Em que frase está o período intercalado que faz esquecer a conjugação verbal principal? Onde “a maioria... sentiram”? Cadê o erro, cadê? Achar um erro parecia mais difícil que levantar impressões digitais na água de uma piscina.
– Meu prato de trigo cozido por um erro − desesperava-se o suplente.
Sonhava, como sempre: muitos trotskistas e vendedores de maçã do amor lhe diziam que era preciso ter os pés no chão, como eles.
– Quem tem os pés no chão, é porque está sentado no vaso − retrucava, fulo.
Como restassem cinco ou seis linhas, o destino parecia traçado: caminhava para uma calamidade, uma tragédia para o resto da sua vida. Nem mesmo a ababelada suposição de que, não encontrando erro, poderia se inspirar e escrever algo parecido como The Nigger of the Narcissus ou outro desesperado E Agora, José? (E Agora, Raimundo?), mas, lá no fundo, sabia que se escrevesse algo baseado em sua tragédia seria um pequeno conto recusado por todos os editores: Um Dia de Cão.
Jamais seria jornalista. Como ser jornalista, se não principiasse a sê-lo naquele fluxo de língua portuguesa sem falhas, perfeito na gramática, impecável na ortografia, demoníaco?
Maldição.
Agora, já lia xingando o texto, desacreditando na profissão, tão cedo e já tão abatido pelo revés do jornalismo sério. Era a última linha do texto da notícia, e ele a releu pela sétima vez:
A cidade de S. Paulo conta, portanto, desde hoje, com o trabalho competente do Dr. Severo Almeida Gomes.
Cortava o coração: nem o nome do infame funcionário o redator escrevera errado. É sempre assim, filosofou, os certinhos ferrando os bons e errados, como ele. Viu o seu fim. Esmagado, levantou o papel da prova para passar adiante com a sua assinatura de revisor-substituto da hora, quando uma palavra saiu do texto, pairou, brilhando, acima dele, como um halo santo: um erro! Uma onda quente de felicidade invadiu o quinto suplente. Retornou a prova à banca, seguro do que fazia, um jornalista no melhor do seu desempenho profissional. Consciente, grave, maduro.
Tomou o lápis, olhou sua ponta, foi ao apontador, montado no fim da mesa, deixou rodar e cair finas volutas de madeira ondulada no chão. A ponta parecia luzir, fina e severa. Apoiou a mão para firmar o papel impresso, fez um risco pequeno, forte e vertical no S da palavra S. Paulo e, na margem, à mesma altura da linha daquela abençoada palavra, corrigiu, compenetrado e capaz: São.
Nada de “S ponto”. O certo, no jornal, era o São por extenso, tinha certeza: nada de “S. Paulo”, revisado pelo nomeado jornalista para “São Paulo”. Vitória! Começava de maneira magistral sua carreira no jornalismo. No dia seguinte, apanhou o jornal, um exemplar da redação, folheou e procurou, impressa, a notícia que ele revisara. Temia ejacular, quando lesse a nota revista por ele. Melhor do que Fla 6 x Flu 1.
Ofegante, coração aos pulos como um botafoguense dopado, desceu para o pé da página e lá estava a notícia. Os olhos pularam para o trecho final, no qual ele topara com a glória do S ponto. Olhos molhados, percorreu a linha final para ler o São Paulo da sua autoria. Lá estava:
A cidade de S. Paulo conta, portanto, a partir de hoje com o trabalho competente do Dr. Severo Almeida Gomes. S ponto.
Nunca mais ele apareceu na redação. Dizem que foi trabalhar num circo, limpando os aposentos do elefante e, como jornalista, escrevendo, com giz branco e molhado, numa lousa negra fora da lona, informando preço da entrada, meia-entrada e senhoras acompanhadas, eufemismo para amasiadas.
No pé da lousa, uma discreta rubrica: R.C.
Assinava aquela notícia em giz, o máximo que conseguira na profissão jornalística. E era feliz: afinal, nem todos nascem para Samuel Wainer!
Fonte: Revista Piauí

domingo, 7 de outubro de 2007

Passamos das 1000 visitas

Bom dia, pessoal!

Esta postagem é dedicada em agradecimento àqueles que contribuíram para que o blog chegasse ou seu primeiro milhar. É de uma felicidade sem tamanho, que quase não cabe dentro do meu peito. Ainda bem que eu tenho plenos pulmões.

Enfim, obrigado a todos. Principalmente à minha irmã, que colocou o endereço do bolg como página inicial do seu IE e contribui com uma voltinha cada vez que ela abre uma janela nova.

Vão arrumar o que fazer.

Obrigado!

sábado, 6 de outubro de 2007

Enigma

No arquivo abaixo existe uma arquivo .xls que pode ser aberto em axel ou no open office. Nele estão contidos alguns nomes das pessoas que conseguiram resolver o enigma que estarei colocando abaixo. O resultado do enigma é o password para abrir o arquivo e colocar seu nomezinho lá.

Boa sorte!!!

Tem um ônibus com 7 garotas dentro
Cada garota tem 7 mochilas
Dentro de cada mochila, tem 7 gatos grandes
Cada gato grande tem 7 gatos pequenos
Todos os gatos tem 4 pernas cada

Quantas pernas tem dentro do onibus?

Baixe o arquivo

Silas Simplesmente!!!

Outro personagem do Marco Luque! O mesmo humorista do Jackson Five, o motoboy!!!

Autoramas - Teletransporte


Autoramas - Nada pode parar os Autoramas (2003)



Downladeie este disco

Autoramas - Vida Real (2001)



Downloadeie este disco

Autoramas - Stress, depressão & Síndrome de Pânico (2000)



Downladeie este disco

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Governador do DF demite o Gerúndio

Quem não conhece o famoso gerúndio? Ele está presente em muitas frases de políticos e apresentadores idiotas da TV. Pois então, o governador do Distrito Federal, demitiu-o de suas funções gramaticais mal elaboradas. E sem justa causa. Segue o decreto:

"Decreto nº 28.314, de 28 de setembro de 2007.

Demite o gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências.

O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA:

Art. 1° - Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.

Art. 2° - Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA.

Art. 3° - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 28 de setembro de 2007.

119º da República e 48º de Brasília

JOSÉ ROBERTO ARRUDA"

Retirado da Folha de S. Paulo

Moreira da Silva - O Último dos Malandros (1958)

Segue abaixo o segundo disco do Kid Morangueira. Olha só o que o tempo fez com a criatura. Definitivamente, o tempo arrasa tudo.

O Último dos Malandros




Downloadeie este disco

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Moreira da Silva - Morengueira (1964)

Continuarei com as postagens de samba. Este vai ser o primeiro de quatro do Moreira da Silva, um dos principais expoentes do Samba de breque.

Morengueira (1964)





Downloadeie este disco