sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Primeira Pessoa

Acabei de voltar do banheiro. É engraçado, porque eu já estou cansado de saber que uma das minhas características mais estranhas é que eu sou condicionado a pensar sobre as coisas no banheiro. Principalmente durante o banho. Parece que sentir a água esquentando minha pele abre minha percepção para novas idéias. Acontece que pensar nem sempre é o mesmo que lembrar. E acontece também que esqueço sempre o que pensei como se a toalha enxugasse a memória e não deixasse nem as lembranças do chuveiro.

Mas agora a pouco, antes de voltar do banheiro, lembrei. E decidi vir correndinho para cá para não mais esquecer. E tenho que escrever rápido para que as lembranças não escapem. E já estou sentindo-as imergirem. Mas vamos lá, vou fazer um esforço.

Depois que me espantei no espelho, pensei em como começar um conto, uma crônica, um texto qualquer. Sou craque em começar textos. Poderia ser bem sucedido se houvesse mercado para “iniciadores de texto”, pois já li várias vezes que essa tal da primeira frase é sempre um tormento para alguns escritores. Para mim o tormento vem depois, quando tenho que conseguir convencer àqueles que me lêem de que eu realmente estou querendo dizer alguma coisa.

De modo que eu pensei em começar algo assim:

“Esses dias mesmo, acabei estacando no seguinte repente: achei engraçado a expressão ´primeira pessoa´ que li num fragmento de xerox duma aula dum cursinho que tem perto de casa. Pensei: ´por que nós temos que nos referir a nós mesmos como sendo primeira pessoa?´ E percebi que estava cometendo um paradoxo, uma contradição em si, porque o pronome “nós” não é primeira pessoa. E como não sou um ás em gramática, nem sei que diabo de pessoa somos “nós”. Primeira pessoa sou eu. Você, por exemplo, é uma flexibilização do pronome Tu, que também não é primeira pessoa; é segunda. Ele é terceira. E acaba por aí, mesmo que na mesa de bar tenha mais alguns amigos. Todos eles, menos você, serão terceiras pessoas. Assim, gramaticalmente, minhas relações ficam reduzidas a três pessoas sempre: eu, você e ele ou ela. Uma outra coisa engraçada é que destas três pessoas que existem, apenas uma concorda com o gênero: a terceira; nas outras duas não se grafia o feminino e o masculino. Eu sou eu, posso ser mulher ou homem. Tu ou você, mesma coisa. Agora, a terceira pessoa é ele ou ela. Isto no português porque no inglês parece que todo mundo é assexuado.

O que acho besteira – embora entenda que é preciso certa ordem nisso tudo – sou eu ser a primeira pessoa na hierarquia das pessoas. Por quê eu venho em primeiro lugar? Essa regra não respeita nem a ordem de chegada ao mundo, porque tão logo nasço já sou eu, isto é, primeira pessoa. Nem bem cheguei e sou o primeiro da fila e as outras vêm depois de mim. E eu ainda nem sei que língua vão me ensinar a falar.

As pessoas dão muito crédito aos primeiros lugares. Eu recuso ser o primeiro, me recuso a me tomar como referência, como ponto de partida. Prefiro me fundir em você. Para que sejamos todos nós, ou, se alguém de nós ouvir falar, para ele, todos eles.”

Olha só. Comecei um texto e acho que terminei. O desfecho foi feito às pressas. Tenho que aprender a ser mais conciso. Mas não é fácil.

Ah, o que eu lembro do banheiro é só a primeira frase. O resto eu deixei os dedos errarem por si próprios.

Um comentário:

criscalina disse...

Oi, Cássius,
Só hoje pude lhe responder os recados que me deixou.
Fiquei muito feliz com o texto que você conta ter encontrado o meu blog, muito mesmo. =)
Beijo,