Como forma universal da riqueza, o capital se
diferencia de si mesmo apenas do ponto de vista quantitativo, ou seja, do ponto
de vista de o sujeito ter mais ou menos capital – quando se é capitalista – ou
mais ou menos salário – quando se é trabalhador assalariado. O aspecto qualitativo
da riqueza social – o conjunto de valores de uso – importa, na esfera econômica,
apenas como veículo de valor. É por isso que, sob o modo de produção
capitalista, a forma social da riqueza é sempre impelida, por sua própria natureza, para além
de seus limites imediatos: o horizonte da ampliação do valor tende virtualmente ao infinito. Somente por conta de
sua natureza abstrata é que a forma social da riqueza capitalista – o valor –
subordina progressivamente todas as atividades humanas a seus domínios. Marx
lembra de acontecimentos do Império Romano, afirmando que a riqueza desfrutável “aparece
como dissipação ilimitada, dissipação que procura igualmente elevar a fruição à
imaginária ilimitabilidade devorando salada de pérolas” (Grundrisse, p. 210). Sob as condições de produção capitalistas, o valor atinge a sua forma mais desenvolvida. Assim,
ao subordinar os produtos do trabalho que satisfazem necessidades que vão do “estômago
à fantasia” à lógica auto-expansiva do valor, o caráter mercantil das coisas (especialmente, da força de trabalho) e a sua
dinâmica acabam por impor determinações a todos os âmbitos, digamos, “extra-econômicos” da vida social.
O
significado social da “fruição imaginária ilimitada” a que Marx alude se
referindo ao Império Romano é extremamente atual aos nossos tempos. Este significado,
fundado na impressão de virtual inesgotabilidade da riqueza, acaba sendo
internalizado pelos sujeitos, passando a compor os "instrumentos psicológicos" (Vigotski)
que serão mobilizados em nossas consciências no planejamento de nossas
atividades diárias. As necessidades a serem satisfeitas pelos sujeitos passam a
ser elaboradas em termos de “fruição imaginária inesgotável”, o que significa,
por exemplo, que a compra, a posse e o uso de determinada mercadoria satisfaz
apenas por um instante fugaz, uma vez que a subjetividade, mal se encontrando com o objeto da necessidade anterior, já está mobilizada para
o próximo objeto de desejo. Em termos individuais, a “dissipação ilimitada” é o modo de
manifestação de uma subjetividade ideologicamente moldada para lubrificar as
engrenagens invisíveis dos mecanismos de auto-valorização do valor, seja mediante a intensificação do trabalho ("trabalhando mais, eu ganho mais, eu compro mais"), seja na qualidade de consumidores
compulsivos em busca de uma vida hedonista, que, contudo é realmente impossível.
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