segunda-feira, 20 de maio de 2013

Reflexões Grundrissianas


Como forma universal da riqueza, o capital se diferencia de si mesmo apenas do ponto de vista quantitativo, ou seja, do ponto de vista de o sujeito ter mais ou menos capital – quando se é capitalista – ou mais ou menos salário – quando se é trabalhador assalariado. O aspecto qualitativo da riqueza social – o conjunto de valores de uso – importa, na esfera econômica, apenas como veículo de valor. É por isso que, sob o modo de produção capitalista, a forma social da riqueza é sempre impelida, por sua própria natureza, para além de seus limites imediatos: o horizonte da ampliação do valor tende virtualmente ao infinito. Somente por conta de sua natureza abstrata é que a forma social da riqueza capitalista – o valor – subordina progressivamente todas as atividades humanas a seus domínios. Marx lembra de acontecimentos do Império Romano, afirmando que a riqueza desfrutável “aparece como dissipação ilimitada, dissipação que procura igualmente elevar a fruição à imaginária ilimitabilidade devorando salada de pérolas” (Grundrisse, p. 210). Sob as condições de produção capitalistas, o valor atinge a sua forma mais desenvolvida. Assim, ao subordinar os produtos do trabalho que satisfazem necessidades que vão do “estômago à fantasia” à lógica auto-expansiva do valor, o caráter mercantil das coisas (especialmente, da força de trabalho) e a sua dinâmica acabam por impor determinações a todos os âmbitos, digamos, “extra-econômicos” da vida social. 

O significado social da “fruição imaginária ilimitada” a que Marx alude se referindo ao Império Romano é extremamente atual aos nossos tempos. Este significado, fundado na impressão de virtual inesgotabilidade da riqueza, acaba sendo internalizado pelos sujeitos, passando a compor os "instrumentos psicológicos" (Vigotski) que serão mobilizados em nossas consciências no planejamento de nossas atividades diárias. As necessidades a serem satisfeitas pelos sujeitos passam a ser elaboradas em termos de “fruição imaginária inesgotável”, o que significa, por exemplo, que a compra, a posse e o uso de determinada mercadoria satisfaz apenas por um instante fugaz, uma vez que a subjetividade, mal se encontrando com o objeto da necessidade anterior, já está mobilizada para o próximo objeto de desejo. Em termos individuais, a “dissipação ilimitada” é o modo de manifestação de uma subjetividade ideologicamente moldada para lubrificar as engrenagens invisíveis dos mecanismos de auto-valorização do valor, seja mediante a intensificação do trabalho ("trabalhando mais, eu ganho mais, eu compro mais"), seja na qualidade de consumidores compulsivos em busca de uma vida hedonista, que, contudo é realmente impossível.

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