“Considerado
desde o ponto de vista dessa diversidade natural, o indivíduo [A] existe como
possuidor de um valor de uso para B e B, como possuidor de valor de uso para A.
Sob esse aspecto, a diversidade natural os coloca reciprocamente de novo na
relação da igualdade. Consequentemente, não são indiferentes um ao outro, mas
se completam, se necessitam um do outro, de modo que o indivíduo B, enquanto
objetivado na mercadoria, é uma necessidade para o indivíduo A e vice-versa; de
modo que não só estão em uma relação de igualdade entre si, mas também em relação
social recíproca. Mas isso não é tudo. Que a necessidade de um pode ser
satisfeita pelo produto do outro, e vice-versa, que um é capaz de produzir o
objeto da necessidade do outro e que cada um se enfrenta com o outro como
proprietário do objeto da necessidade do outro, prova que cada um, como ser humano, vai além de sua própria
necessidade particular etc. e se comporta um em relação ao outro como ser
humano; que sua essência genérica comum é conhecida por todos. (...) Na medida
em que agora essa diversidade natural dos indivíduos e das próprias mercadorias
(...) constitui o motivo para a integração desses indivíduos, para a sua relação
social como trocadores, relação em que são pressupostos
e se afirmam como iguais, à determinação
da igualdade soma-se a da liberdade. Ainda
que o indivíduo A sinta necessidade da mercadoria do indivíduo B, não se
apodera dela pela força, nem vice-versa, mas reconhecem-se mutuamente como
proprietários, como pessoas cuja vontade impregna suas mercadorias. Em decorrência,
aqui entre de imediato o momento jurídico da pessoa e da liberdade, na medida
em que está contida na primeira. Nenhum deles se apodera da propriedade do
outro pela força. Cada um a cede voluntariamente. Mas isso não é tudo: o
indivíduo A serve à necessidade do indivíduo B por meio da mercadoria a somente na medida em que, e porque, o
indivíduo B serve à necessidade do indivíduo A por meio da mercadoria b, e vice-versa. Cada um serve ao outro
para servir a si mesmo; cada um serve reciprocamente do outro como seu meio. Ambos
os aspectos estão agora presentes na consciência dos dois indivíduos: 1) que
cada um só alcança seu objetivo à medida que serve como meio para outro; 2) que
cada um só devém meio para outro (ser para outro) como fim em si mesmo (ser
para si); 3) que a reciprocidade, segundo a qual cada um é ao mesmo tempo meio
e fim, e de fato só alcança seu fim à medida em que devém meio, e só devém meio
à medida que se põe como fim em si mesmo; que, portanto, cada um se põe como
ser para outro à medida que é ser para si, e que o outro se põe como ser para
ele quando é ser para si mesmo – que essa reciprocidade é um fato necessário,
pressuposto como condição natural da troca, mas que é, enquanto tal,
indiferente para cada um dos dois trocadores, e essa reciprocidade tem
interesse para o indivíduo apenas na medida em que satisfaz seu interesse, como
interesse que exclui o interesse do outro, sem ligação com ele. O que significa
dizer que o interesse comum, que aparece como motivo do ato como um todo, é
certamente reconhecido como fato por ambas as partes, mas não é motivo enquanto
tal, ao contrário, atua, por assim dizer, por detrás dos interesses
particulares refletidos em si mesmos, do interesse singular contraposto ao do
outro. Sob esse último aspecto, o indivíduo pode ter no máximo a consciência
reconfortante de que a satisfação de seu interesse singular contraditório é
justamente a realização da contradição superada, do interesse social universal.
Pelo próprio ato da troca, o indivíduo, cada um dos indivíduos, está refletido
em si mesmo como sujeito exclusivo e dominante (determinante) do ato da troca. Com
isso, portanto, está posta a completa liberdade do indivíduo: transação
voluntária; nenhum violência de parte a parte; posição de si como meio, ou a
serviço, unicamente como meio de se pôr como fim em si, como o dominante e o
prevalecente; enfim, o interesse egoísta, que não realiza nenhum interesse
superior; o outro também é reconhecido e conhecido como sujeito que realiza seu
interesse egoísta exatamente da mesma maneira, de modo que ambos sabem que o
interesse comum consiste precisamente na troca do interesse egoísta em sua
bilateralidade, multilateralidade e autonomização. O interesse universal é
justamente a universalidade dos interesses egoístas. Se, portanto, a forma econômica,
a troca, põe a igualdade dos sujeitos em todos os sentidos, o conteúdo, a
matéria, tanto individual como objetiva, que impele à troca, põe a liberdade. Igualdade e liberdade, por
conseguinte, não apenas são respeitadas na troca baseada em valores de troca,
mas a troca de valores de troca é a base produtiva, real, de toda igualdade e liberdade. Como ideias puras, são simples expressões idealizadas
dessa base; quando desenvolvidas em relações jurídicas, políticas e sociais, são
apenas essa base em outra potência. E isso também se verifica historicamente. A
igualdade e a liberdade nessa extensão são exatamente o oposto da liberdade e
igualdade antigas, que não têm justamente o valor de troca desenvolvido como
fundamento, mas se extinguem em seu desenvolvimento. Elas pressupõem relações de
produção que ainda não haviam se realizado no mundo antigo nem tampouco na Idade
Média".
MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 - esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, pp. 186-188.
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