“A mania por prazer em sua forma universal e a
avareza são as duas formas particulares da avidez por dinheiro. A mania
abstrata por prazer pressupõe um objeto que contenha a possibilidade de todos
os prazeres. A mania abstrata por prazer efetiva o dinheiro na determinação em
que ele é o representante material da
riqueza; e efetiva a avareza, na medida em que o dinheiro é somente a forma
universal da riqueza diante das mercadorias como suas substâncias particulares.
(...) A avidez por dinheiro e a mania de enriquecimento são necessariamente o
ocaso das antigas comunidades. Daí a oposição ao dinheiro. O próprio dinheiro é
a comunidade e não pode tolerar
nenhuma outra superior a ele. Mas isso pressupõe o pleno desenvolvimento dos
valores de troca e, por conseguinte, uma organização da sociedade
[correspondente] a tal desenvolvimento. Entre os antigos, o valor de troca não era
o nexus rerum [nexo das coisas]; só
se manifesta assim entre os povos comerciantes, que, no entanto, tinham apenas
comércio itinerante e não produziam para si mesmos. Ao menos era coisa secundária
entre os fenícios, cartagineses etc. Eles podiam viver tão bem nos interstícios
do mundo antigo quanto os judeus na Polônia ou na Idade Média. Mais precisamente,
esse mesmo mundo era o pressuposto de tais povos comerciantes. Entre os
romanos, gregos etc., o dinheiro se manifesta, de início, de modo ingênuo em
suas duas primeiras determinações, medida e meio de circulação, mas pouco
desenvolvido em ambas. Entretanto, tão logo se desenvolve seu comércio etc.,
ou, como entre os romanos, tão logo a conquista lhe traz dinheiro em grande
quantidade – em síntese, de maneira repentina, em uma certa etapa do
desenvolvimento econômico o dinheiro manifesta-se necessariamente em sua
terceira determinação, e quanto mais se desenvolve naquela determinação, maior
o declínio da comunidade. (...) É intrínseco à determinação simples do próprio
dinheiro que ele só pode existir como momento desenvolvido da produção ali onde
existe o trabalho assalariado; que,
ali, igualmente, longe de dissolver a forma de sociedade, o dinheiro é muito
mais uma condição de seu desenvolvimento e um motor do desenvolvimento de todas
as forças produtivas, materiais e espirituais. Mesmo hoje em dia, um indivíduo
singular pode ganhar dinheiro por acaso e, assim, sua posse pode ter sobre ele
um efeito igualmente dissolvente, tal como teve sobre a antiga comunidade. Mas a
própria dissolução desse indivíduo na sociedade moderna é apenas o
enriquecimento da parte produtiva da própria sociedade. O possuidor do
dinheiro, no sentido antigo, é dissolvido pelo processo industrial ao qual
serve a despeito de seu saber e querer. A dissolução afeta apenas sua pessoa. Como
representante material da riqueza
universal, como o valor de troca
individualizado, o dinheiro deve ser imediatamente
objeto, fim e produto do trabalho universal, do trabalho de todos os
singulares. O trabalho tem de produzir imediatamente o valor de troca, i. e.,
dinheiro. Por essa razão, tem de ser trabalho assalariado. A mania de
enriquecimento, como pulsão de todos, porquanto cada um quer produzir dinheiro,
cria a riqueza universal. Só desse modo a mania de enriquecimento universal
pode devir a fonte da riqueza universal que se reproduz de maneira contínua. Quando
o trabalho é trabalho assalariado, e sua finalidade é imediatamente dinheiro, a
riqueza universal é posta como sua
finalidade e seu objeto. (A esse respeito, comentar sobre o contexto do sistema
militar antigo, tão logo se converteu em sistema mercenário). O dinheiro como
finalidade devém aqui meio da laboriosidade universal. A riqueza universal é
produzida para se apoderar de seu representante. Assim são abertas as fontes
efetivas da riqueza. Como a finalidade do trabalho não é nenhum produto
particular que está em uma relação particular com as necessidades particulares
do indivíduo, mas dinheiro, a riqueza em sua forma universal, então, em
primeiro lugar, a laboriosidade do indivíduo não tem nenhum limite – é
indiferente em relação à sua particularidade e assume qualquer forma que serve
à finalidade; é engenhosa em criar novos objetos para a necessidade social etc.
É claro, portanto, que, sobre a base do trabalho assalariado, o dinheiro não tem
efeito dissolvente, mas produtivo; enquanto a comunidade antiga já e si mesma
está em contradição com o trabalho assalariado como fundamento universal”.
MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 - esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011, pp. 166-167.
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